São José do Rio Pardo, ,

12/Abr/2025 - 15:52:19

“Bar é cultura”

Felipe Quessada




Bar não é só balcão e bebida – bar é livro aberto, sem capa nem fim. Ali, entre uma pinga e uma cerveja, se aprende mais que em qualquer festim.

É no canto do balcão, ou em uma mesa com quatro cadeiras, que mora a cultura — contada com sotaque, riso e emoção. Quem ouve um pescador falar de uma pescaria, sabe que cada mentira carrega um pouco de verdade no coração.

Tem história de rede que pegou sereia, de peixe tão grande que virou o barco — e assim por diante.

Sempre que posso, aproveito o início da noite e dou uma passadinha no Bar do Markin (Nosso Bar), de propriedade de Marcos Bossolan, localizado no Portal Buenos Aires, a três quarteirões da minha casa. Lá, permaneço por aproximadamente uma hora — tempo suficiente para degustar duas barrigudinhas e ouvir atentamente a prosa dos mais diversos profissionais que ali se encontram, relatando com muita propriedade o seu exaustivo dia de serviço. Porém, as prosas que mais se destacam — e às quais presto muita atenção — são as dos “mentirosos” pescadores.

Nessa última quarta-feira, 9 de abril, após a Ave-Maria das 18h, “apoitei” na minha mesa de costume. Apesar de o bar contar com oito mesas e um balcão, a minha já é conhecida como mesa 29 — a Mesa do Capitão, como sou chamado por lá.

Ao lado da minha 29, estavam sentados os amigos Reginaldo Berranteiro e o Rodrigo, carinhosamente conhecido como Presunto, que, após mandar goela abaixo uma generosa dose de Campari, limpou a garganta e disse:

— Cê lembra daquele dia que eu fui pescar no rancho do Capitão? Pois é... aquilo foi diferente de tudo.

— Lá vem lorota! — gritou o Berranteiro, já rindo.

— Lorota nada! Eu juro por essa dose de Campari aqui! Joguei a linha, fiquei quietinho, e do nada... a vara envergou que nem você quando vai embora depois de várias doses de conhaque! Pensei: “peguei um monstro”.

Todo mundo que estava no bar já inclinou pra frente.

— Comecei a puxar. Era pesado. Mas pesado de um jeito que até meu braço tremia. Quando consegui trazer pro raso, era um surubim tão grande, mas tão grande... que trouxe um jacaré pendurado na cauda!

— Ô Presunto, cê já contou essa história com capivara, agora virou jacaré? — riu o Markin.

— Tô dizendo, pô! O jacaré tava tentando roubar meu peixe! Tive que gritar com ele, e o bicho me olhou nos olhos, largou o surubim e voltou pro mato. Desde aquele dia, ninguém mais pescou por lá. É verdade ou não, Capitão?

Sem saber o que falar, concordei — e os risos tomaram conta do boteco. E, entre um gole e outro, já tinha o Agnaldo Mecânico levantando a mão pra contar o seu causo.

No balcão, estavam Marquinho Buaro, Eurípides e o conhecido mentiroso Agnaldinho. Do lado de dentro, o Markin, com seu gato Leão.

— Moçada... vocês não vão acreditar no que eu fisguei ontem, no mesmo lugar. Um dourado, bicho, com uns 30 quilos, fácil!

Buaro: — Quê isso, Agnaldinho! De novo com esses peixes de mentira? Semana passada era um pintado de 20 quilos que virou lenda...

Agnaldinho: — A vara envergou como nunca antes. Um estrondo na água! O bicho saltou, dourado reluzente, parecia um raio de sol com escamas. Mas o incrível mesmo é que, ao invés de tentar escapar, resolveu lutar com estilo. Foi aí que entrei totalmente em ação — vocês sabem que sou lutador de jiu-jítsu. Com uma força descomunal, começou a nadar rio acima... e puxou o barco junto!

— Eu não soltei a vara. Fui junto na aventura. O barco de seis metros que o Capitão me emprestou foi arrastado como se tivesse motor de popa, subindo o rio Pardo embalado pelo peixe, passando por debaixo da Ponte Nova e da Ponte Euclides da Cunha. Quando chegava na Ilha São Pedro, o animal parou, olhou pra mim — igualzinho ao olhar do jacaré do Presunto — e, com um último salto espetacular... arrebentou a linha.

O silêncio reinou no bar. O Leão lambeu os beiços — pois acreditava que comeria um pedaço do peixe — e a cachorrinha Mel, apesar de prestar muita atenção nas prosas, ficou sem entender nada.

No momento em que o relógio deu sete badaladas, anunciando o início do programa “A Voz do Brasil”, me retirei, pensando com meus botões:

O que seria do ser humano se não existissem as mentiras...


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