São José do Rio Pardo, ,

10/Jul/2021 - 21:06:08

A Revolução que não aconteceu

Marcos De Martini





A grande vantagem das efemérides, além dos feriados, é claro, é a possibilidade da retomada das discussões a respeito do assunto histórico. Abre-se, a cada data, a possibilidade de novas análises e interpretações do fato histórico. Também possibilita o seu conhecimento por parte dos brasileiros, já que não é de se admirar que boa parte dos brasileiros não saibam o porquê de muitos desses feriados.

Tudo indica que no ano de 2022, quando iremos comemorar os 200 de nossa independência (7/setembro), teremos uma série de publicações - livros, artigos, vídeos, reportagens, que muito ajudarão na discussão e análise de um dos momentos mais importante de nossa história, o nascimento do Estado brasileiro, depois de mais de 300 anos de dominação portuguesa. Nessa mesma linha de entendimento temos o dia 9 de julho, feriado estadual, data que dá nome a ruas, praças, monumentos. e que faz parte do mais seleto dos fatos históricos de São Paulo, em que relembramos (comemoramos) a famosa Revolução Constitucionalista de 1932.

Para entender o seu significado devemos recordar os interesses políticos da República Velha, desde 1894, quando Prudente de Morais foi eleito o primeiro presidente civil do Brasil. Por todos esses anos, até 1930, época de domínio das oligarquias estaduais, prevaleceu o arranjo político entre São Paulo e Minas Gerais, chamado de política do Café com Leite. Tudo corria bem até a decisão do presidente Washinton Luís (SP) em apoiar para sua sucessão o candidato Júlio Prestes, também paulista, desagradando aos mineiros, que se achavam no direito de liderarem a candidatura oficial. Nesse embate político, surgiu a candidatura presidencial de Getúlio Vargas, para fazer frente à candidatura apoiada pelo presidente.

As eleições deram a vitória a Júlio Prestes e, apesar das reclamações próprias do processo eleitoral da época, Vargas aceitou a derrota. Mas a situação política do país já vinha agitada desde o começo dos anos de 1920, com o Tenentisto e a Coluna Prestes. A tensão aumentou e, aproveitando-se do clima revolucionário, Getúlio Vargas assumiu a "liderança" do movimento, que acabou por forçar a renúncia do presidente Washington Luís. O presidente eleito Júlio Prestes, impedido de assumir, buscou proteção no exílio. Vargas passou a governar sem respeitar a Constituição Federal de 1891.

Com Vargas no comando do país, somava-se à derrota eleitoral a crise econômica que se aprofundava desde a quebra da Bolsa de Nova Iorque em 1929, ferindo mortalmente a oligarquia cafeeira paulista. O principal produto das exportações do país perdeu valor e mercado, pondo em cheque toda a estrutura da economia agrária brasileira, modelo predominate no país por todo o século XIX.

Não bastassem esses dissabores, Vargas passou a governar os Estados através de interventores, marginalizando a elite política paulista. Para o estado de São Paulo, é nomeado o pernambucano João Alberto, fato que talvez esteja nas origens do preconceito contra os nordestinos. Outros interventores não paulistas passaram pela sede do governo bandeirante, atiçando ainda mais o descontentamento com o varguismo.

As manifestações políticas contrárias ao governo de Getúlio ganharam peso. Em 23 de março de 1932 (data conhecida por dar nome a uma das principais avenidas da cidade de São Paulo) houve uma manifestação de rua na qual morreram quatro jovens: Martins, Miraguaia, Dráusio e Camargo. A morte dos jovens - MMDC - tornou-se a bandeira da luta contra Vargas e pela elaboração da nova constituição.

O conflito ganhou rumos inconciliáveis e, em 9 de julho de 1932, as hostilidades políticas passaram para o lado militar.  São Paulo pegou em armas para enfrentar o governo federal de Getúlio Vargas. Apesar do ufanismo patriótico dos paulistas, faltou apoio político de outros estados descontentes com a situação nacional e, principalmente, força bélica para as tropas constitucionalistas. Essas deficiências isolaram São Paulo, forçando-o a captular em 1 de outubro de 1932, pondo fim à "guerra paulista".

Vale lembrar que aqui na região de São José ocorreram conflitos armados entre soldados paulistas e mineiros. Muitas propriedades rurais ainda guardam sinais das trincheiras cavadas pelos soldados, bem como vestígios de armamentos utilizados à época. No livro "A Revolução na Minha Aldeia", Rodolpho José Del Guerra traz muitos detalhes desse momento especial da cidade, e os nomes dos sete rio-pardenses mortos em combate.

Para a historiografia, foi uma derrota militar  amenizada por uma vitória política. São Paulo percebeu que não poderia viver à margem do governo federal. Da mesma forma, Getúlio percebeu que não poderia ignorar a elite paulista.

Em 1934, foi aprovada uma nova Constituição, trazendo avanços políticos e sociais para o Brasil. Getúlio foi eleito, por voto indireto, Presidente da República para o mandato 1934 - 38. Porém, em 1937, antes do final do mandato, aproveitando-se das condições políticas favoráveis ao centralismo, Vargas impõe o Estado Novo, abrindo uma nossa fase política, encerrada somente com o final da segunda guerra em 1945.

E a Revolução? Bem, ainda não seria dessa vez que o Brasil viveria uma mudança que justificasse o nome de revolução.

A mobilização de 1932, 89 anos atrás, foi mais um arranjo político das elites brasileiras, que se enfrentavam em alguns momentos, mas acabavam por se acomodar no eterno jogo pelo poder.


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